segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Maiara Ferreira de Souza

As notas de campo: à luz do conceito de responsividade na estética Bakhtiniana
Maiara Ferreira de Souza[1]
(maiaraf.souza@gmail.com)

Esse texto é fruto de uma primeira aproximação ao conceito de responsividade de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin em relação aos resultados da primeira etapa de uma pesquisa que focaliza as práticas de leitura que se realizam na educação infantil e na transição entre esta etapa da educação básica e o ensino fundamental.  É nessa pesquisa, intitulada “Práticas de Leitura na Educação Infantil e na Passagem ao Ensino Fundamental”, que se desenvolve no âmbito do LEFoPI (Linguagem, Ensino, Formação de Professores e Infância), que compartilho minha primeira experiência como pesquisadora.
É mergulhada nesse contexto e a partir das reflexões de Marília Amorim (2003), que ao discutir a relação do pesquisador com o outro traz o conceito de alteridade como conceito chave para entender essa relação, que me proponho a discutir a responsividade na estética Bakhtiniana. Meu objetivo nesse texto é refletir sobre o processo de produção de dados à luz do conceito de responsividade de Bakhtin. Tal produção se dá quando o pesquisador vai a campo e se coloca em interação com os sujeitos.
A Responsividade pode ser caracterizada pelo “modo como o sujeito assume, em seus atos, um compromisso ético com o seu agir” (MICARELLO, 2006), ou seja, essa responsabilidade emerge da ação do pesquisador sobre o outro, e vice-versa, visto que assim como o pesquisador, o sujeito também é responsável pelo que diz e faz. É nessa perspectiva que Sobral (2005) se apóia ao dizer que o sujeito se forma e manifesta seus pensamentos através da linguagem, em que essa forma de comunicação esta imersa no mundo e, portanto, necessita dele para se constituir e construí-lo. Assim:
O agir do sujeito é um conhecer em vários planos que une processo (o agir no mundo), produto (a teorização) e valoração (o estático) nos termos de sua responsabilidade inalienável de sujeito humano, de sua falta de escapatória, de sua inevitável condição de ser lançado no mundo e ter ainda assim de dar contas de como nele agiu. (SOBRAL, 2005, p.118)

Ao entrar na instituição, campo da referida pesquisa, deparei-me com um ambiente constituído por diversas trocas de experiências e aprendizagens como, por exemplo, entre professor-criança, criança-criança. E, mais especificamente, ao me inserir em uma determinada turma, encontrei sujeitos ativos, que têm voz, o que implica uma responsabilidade ao expor essas vozes no momento de transcrevê-las ou parafraseá-las nas notas de campo e notas expandidas.
No momento em que trago minhas considerações registradas em forma de notas de campo não necessariamente exponho o que o outro pensa de si próprio, visto que o olhar que tenho sobre o outro não é o que ele vê de si mesmo, posto que justamente por apresentarmos características semelhantes e diferentes, ao compartilharmos essas características com o outro podemos alterá-lo, por isso através desses registros – notas de campo – vemos o mundo “a partir de uma dada posição, o que não implica negar a existência do mundo dado, mas postular que sua apreensão é sempre situada.” (SOBRAL, 2005, p.107).
Nesse contexto surge a idéia de “opacidade do discurso” (AMORIM, 2003), em que deixamos claro que as descrições de nossas observações são feitas a partir de nosso olhar e, por isso, ocorre uma “ilusão de transparência” que Amorim destaca da seguinte forma:
Entre o discurso do sujeito a ser analisado e o conhecido e o discurso do próprio pesquisador que pretende analisar e conhecer, uma vasta gama de significados conflituais e mesmo paradoxais vai emergir. Assumir esse caráter conflitual e problemático da pesquisa em Ciências Humanas implica renunciar a toda ilusão de transparência. (AMORIM, 2003, p.12)

A partir dessas perspectivas, o pesquisador ocupa um lugar singular de onde só ele consegue ver no outro o que o outro não consegue ver e, ao compartilhar esses diferentes pontos de vista, o pesquisador complementa o outro. Por isso “enquanto pesquisador, minha tarefa é tentar captar algo do modo como ele [o outro] se vê, para depois assumir plenamente meu lugar exterior e dali configurar o que vejo do que ele vê.” (AMORIM, 2003, p.14)
Logo, o pesquisador assume a responsabilidade por tudo aquilo que faz, inclusive ao compartilhar com o outro seu ponto de vista e de certa forma alterá-lo, já que cabe ao pesquisador tratar o acontecimento do campo de forma ética, a partir da observação singular do outro. Portanto, é possível concluir que a alteridade implica necessariamente a responsividade, uma vez que o pesquisador, ao se inserir no campo, altera todo aquele cenário modificando, consequentemente, a si mesmo e aos sujeitos com os quais se coloca em interação.

Referências Bibliográficas:
AMORIM, Marilia. A contribuição de Mikhail Bakhtin: a tripla articulação ética, estética e epistemológica. In: Freitas, Maria Tereza; Jobim e Souza, Solange; Kramer, Sonia (orgs.): Ciências humanas e pesquisa: leitura de Mikhail Bakhtin – São Paulo: Cortez, 2003. – p.11-25.
MICARELLO, Hilda Aparecida Linhares da Silva; Professores da pré-escola: Trabalho, saberes e processos de construção de identidade / orientadora: Sonia Kramer. – Rio de Janeiro: PUC-Rio, Departamento de Educação, 2006 - p.154-172.
SOBRAL, Adail. Ético e estético. Na vida, na arte e na pesquisa em Ciências Humanas. In: Brait. Beth (org.): Bakhtin: Conceitos-chave – São Paulo: Contexto, 2005 – p.103-118.


[1] Graduando Pedagogia no 5° período pela UFJF, bolsista de monitoria da disciplina de estágio

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